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sábado, 7 de agosto de 2010

Die Tour

E ele cantava no banheiro. Cantava o mais alto que podia. Sem se dar conta que a vibração de cada nota efetuada se estendia rumo ao infinito, ao centro do absoluto. Era a mesma frequência de sua essência. E apenas cantava e dançava, no único lugar onde se trancava e era livre. Pelo menos é o que o pobre achava. Mas não podemos contar a verdade para ele, se não acaba a graça e ele pode acabar tropeçando em seus shows diários entre um banho e outro durante a semana.
Quando olhava para o espelho embaçado, via o que queria ver. Via tudo deformado. Tudo percorria em direção ao chão, caminhando sempre nos caminhos que as gotas faziam. E o vapor começava a sufocar.
Apenas ele entendia o que escrevia com o dedo no espelho. E tudo começava a se apagar conforme ele olhava. Então escrevia novamente, ou desenhava mesmo, outra poesia sobre amores platônicos, completamente desconexas uma com a outra. Completamente desconexas com a vida. Não havia uma história só, eram várias fábulas diferentes umas das outras. Todas inacabadas. Todas em um mundo onde não havia sombra de seres humanos, onde a luz era maior.
E o show não parava. Entre uma música e outra, entre uma coreografia e outra, que constituiam um show sem tema e caótico, haviam as pausas eternas onde o cantor se mergulhava em um mar profundo de água azul marinha. Isso tudo lá dentro do camarim. Era uma água que paralizava. Congelava. Envenenava. Queimava. Dava sono e confusão.
Nessas pausas ele encontrava-se consigo mesmo. Ele tentava se abraçar, se beijar. Nem sabia porque, mas tentava. Então partia para semelhantes quando o efeito pertubador passava. Mas todos só relembravam o amargo suor frio que escorria de seu corpo pálido quando estava atrás do palco.
Então, mais que depressa, corria noevamente para saudar seus fãs, que nem lembravam quem ele era. Nem nunca souberam. Ele havia se esquecido de alcançar o sucesso para se promover. Mas enfim... Novamente cantando, percebera que precisava de mais gente. Queria alguém para a sua banda. Então ele ligou assim que saiu do banho para uma pessoa muito querida. Era a guitarrista. Como ele não tinha pensado nisso antes? Afinal, fazia tanto tempo que não se viam... Tanto tempo que não se divertiam. Que não tocavam juntos.
Foi quando, em um show, agora em outro lugar que não o banheiro, havia começado. Foi o show mais comprido da vida dele. O mais bem sucedido. Mas ele não estava satisfeito. Queria mais. Precisava de um fã clube, alguém que lhe amasse e não fosse de sua família ou um velho conhecido.
Então ele resolveu se produzir para sair em público, junto da guitarrista. Foram promover a banda e seu trabalho, distribuindo panfletos tanto feitos de papel quanto panfletos que viajavam na velocidade da luz de um canto do mundo para o outro. Bateram de cara. Ou melhor, ele bateu de cara. A guitarrista já estava casada com ela mesma, não precisava de outra pessoa. E ele só tropeçava e insistia em sentir a dor, em não abandoná-la.
Arrasado, ele volta pra casa. Ele volta para o banho. Para a sua sauna particular. Seu show particular. Quando percebeu já estava de banho tomado, em seu quarto, apenas de toalha. Sozinho. Sem apoio, apenas sobre seus pés, na frente do espelho, imerso no vasto ar que pesava sobre sua cabeça, incomodado com o suor que desvalorizava o banho que acabara de tomar, pertubado com a visão que tinha. E, com toda a sua inocência, falou para si mesmo "foi o melhor show que pude fazer". Deixou a toalha cair e se atirou na cama, para só acordar no outro dia.
Ele só continuava quando batiam palmas. Mas o público não percebeu qual era a dele. Seu som era pesado de mais. Era também feliz de mais. O povo é mau e não quer saber. Jogam tomates mesmo. E não são músicas sobre o seu mais frágil eu que vão tocar a alma das pessoas. Talvez esse não seja o tema do seu show. Talvez nem ele saiba ainda o tema de seu próprio show. Vamos apenas continuar observando para ver se ele descobre. Se ele consegue encontrar sua liberdade na verdadeira música.

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